Noite (esta será a primeira imagem posta sobre a história. Surgirão outras. Esteja habituado à invenção). Era o último dia de carnaval. A cidade fedia como um banheiro público. Em sua memória, moldada a álcool e cocaína, tinha sido uma festa feliz, mas Madalena sabia que não podia esperar muito do que se seguiria, porque seria preciso reaprender as pequenas coisas e ainda tecer as grandes, porque havia dentro dela uma terrível vontade de voltar atrás ou de que tudo aquilo não passasse de uma viagem errada de ácido, a testa aberta de Paulo, ter morrido assim, olhos esbugalhados, moldada na cara a crença que ela não seria capaz disso, “abaixa essa arma, Madalena” enquanto ela pensava nas férias de julho, ser publicamente tratada como lixo, ‘abaixa essa arma o caralho, seu puto’, ela respondeu em pensamento, as mãos dele tremendo de espanto – parece que o tiro pegou de raspão o dedo do meio, detalhe observado pelo legista – e ela perfeitamente sóbria, “lembra das férias de Julho?”, foi tudo o que conseguiu falar, ‘congelada assim uma expressão tão terrível, ele se lembrou’, ela sorriu. Mas hoje era quarta feira de cinzas. Cheiro de mijo. Perambulava pelas ruas como uma barata de Clarice, finalmente chorava, não por ele, mas porque estava louca demais para desconsiderar a culpa, o medo do que haveria de vir, estava triste porque estava fraca. Chegou em casa quase ao amanhecer. Resolveu lavas as vasilhas da pia. Detergente diluído n’água. Ela esfregava talheres de olhos fechados (suas mãos dançavam sobre os pratos? As panelas? Ainda era carnaval?). “Madalena Maria do Carmo”. Gotas de lágrima e pavor. Pancadas secas na porta. “Madalena Maria do Carmo, abra essa porta”. Mais pancadas, um pouco mais rápidos os intervalos entre uma e outra. Era bonito observar o padedê das duas mãos, indo e vindo sem pressa, percorrendo as panelas mais sujas. Cheiro de comida velha. Agora eram ombros e pés que se jogava à porta. ‘É tudo música’, pensou ela, antes mesmo que um barulho mais retumbante emudecesse seus pensamentos. Os olhos permaneceram cerrados. Logo depois do breve pânico repleto de silêncio, a profusão da liberdade: 'Paulo era uma tormenta diária. Eu era seu bibelô humilhado. Paulo não existe mais, acalme-se Madalena. Tudo é sonho'. “A senhora esta presa”.
quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016
FERIAS DE JULHO
(Intruções: Tocar o vídeo abaixo, The Swan, de Camille Saint-Saëns. Começar a leitura).
Noite (esta será a primeira imagem posta sobre a história. Surgirão outras. Esteja habituado à invenção). Era o último dia de carnaval. A cidade fedia como um banheiro público. Em sua memória, moldada a álcool e cocaína, tinha sido uma festa feliz, mas Madalena sabia que não podia esperar muito do que se seguiria, porque seria preciso reaprender as pequenas coisas e ainda tecer as grandes, porque havia dentro dela uma terrível vontade de voltar atrás ou de que tudo aquilo não passasse de uma viagem errada de ácido, a testa aberta de Paulo, ter morrido assim, olhos esbugalhados, moldada na cara a crença que ela não seria capaz disso, “abaixa essa arma, Madalena” enquanto ela pensava nas férias de julho, ser publicamente tratada como lixo, ‘abaixa essa arma o caralho, seu puto’, ela respondeu em pensamento, as mãos dele tremendo de espanto – parece que o tiro pegou de raspão o dedo do meio, detalhe observado pelo legista – e ela perfeitamente sóbria, “lembra das férias de Julho?”, foi tudo o que conseguiu falar, ‘congelada assim uma expressão tão terrível, ele se lembrou’, ela sorriu. Mas hoje era quarta feira de cinzas. Cheiro de mijo. Perambulava pelas ruas como uma barata de Clarice, finalmente chorava, não por ele, mas porque estava louca demais para desconsiderar a culpa, o medo do que haveria de vir, estava triste porque estava fraca. Chegou em casa quase ao amanhecer. Resolveu lavas as vasilhas da pia. Detergente diluído n’água. Ela esfregava talheres de olhos fechados (suas mãos dançavam sobre os pratos? As panelas? Ainda era carnaval?). “Madalena Maria do Carmo”. Gotas de lágrima e pavor. Pancadas secas na porta. “Madalena Maria do Carmo, abra essa porta”. Mais pancadas, um pouco mais rápidos os intervalos entre uma e outra. Era bonito observar o padedê das duas mãos, indo e vindo sem pressa, percorrendo as panelas mais sujas. Cheiro de comida velha. Agora eram ombros e pés que se jogava à porta. ‘É tudo música’, pensou ela, antes mesmo que um barulho mais retumbante emudecesse seus pensamentos. Os olhos permaneceram cerrados. Logo depois do breve pânico repleto de silêncio, a profusão da liberdade: 'Paulo era uma tormenta diária. Eu era seu bibelô humilhado. Paulo não existe mais, acalme-se Madalena. Tudo é sonho'. “A senhora esta presa”.
Noite (esta será a primeira imagem posta sobre a história. Surgirão outras. Esteja habituado à invenção). Era o último dia de carnaval. A cidade fedia como um banheiro público. Em sua memória, moldada a álcool e cocaína, tinha sido uma festa feliz, mas Madalena sabia que não podia esperar muito do que se seguiria, porque seria preciso reaprender as pequenas coisas e ainda tecer as grandes, porque havia dentro dela uma terrível vontade de voltar atrás ou de que tudo aquilo não passasse de uma viagem errada de ácido, a testa aberta de Paulo, ter morrido assim, olhos esbugalhados, moldada na cara a crença que ela não seria capaz disso, “abaixa essa arma, Madalena” enquanto ela pensava nas férias de julho, ser publicamente tratada como lixo, ‘abaixa essa arma o caralho, seu puto’, ela respondeu em pensamento, as mãos dele tremendo de espanto – parece que o tiro pegou de raspão o dedo do meio, detalhe observado pelo legista – e ela perfeitamente sóbria, “lembra das férias de Julho?”, foi tudo o que conseguiu falar, ‘congelada assim uma expressão tão terrível, ele se lembrou’, ela sorriu. Mas hoje era quarta feira de cinzas. Cheiro de mijo. Perambulava pelas ruas como uma barata de Clarice, finalmente chorava, não por ele, mas porque estava louca demais para desconsiderar a culpa, o medo do que haveria de vir, estava triste porque estava fraca. Chegou em casa quase ao amanhecer. Resolveu lavas as vasilhas da pia. Detergente diluído n’água. Ela esfregava talheres de olhos fechados (suas mãos dançavam sobre os pratos? As panelas? Ainda era carnaval?). “Madalena Maria do Carmo”. Gotas de lágrima e pavor. Pancadas secas na porta. “Madalena Maria do Carmo, abra essa porta”. Mais pancadas, um pouco mais rápidos os intervalos entre uma e outra. Era bonito observar o padedê das duas mãos, indo e vindo sem pressa, percorrendo as panelas mais sujas. Cheiro de comida velha. Agora eram ombros e pés que se jogava à porta. ‘É tudo música’, pensou ela, antes mesmo que um barulho mais retumbante emudecesse seus pensamentos. Os olhos permaneceram cerrados. Logo depois do breve pânico repleto de silêncio, a profusão da liberdade: 'Paulo era uma tormenta diária. Eu era seu bibelô humilhado. Paulo não existe mais, acalme-se Madalena. Tudo é sonho'. “A senhora esta presa”.
quinta-feira, 28 de julho de 2011
sexta-feira, 27 de agosto de 2010
A CANÇÃO DE AMOR E MORTE DO PORTA ESTANDARTE CRISTÓVÃO RILKE
"Repouso. Ser hóspede um dia. Nem sempre ser o próprio a oferecer a seus anseios mesquinha ração. Nem sempre hostilmente agarrar todas as coisas. Deixar um dia tudo acontecer e saber: o que acontece é bom. Nem sempre ser soldado. Trazer um dia os anéis dos cabelos descobertos e o cabeção largamente aberto e sentar-se em assentos de seda e até a ponta dos dedos assim: ter tomado seu banho. E tornar a aprender o que são as mulheres. E como as brancas fazem, como são as azuis, pra que possuem mãos. E como fazem gorjear seus risos quando louros rapazes trazem as belas salvas pesadas de sumarentos frutos."
Trecho do poema de Rainer Maria Rilke, com tradução: Cecília Meirelles e Paulo Ronai
sábado, 24 de julho de 2010
MEMÓRIA DÓI
Vídeo arte produzida a partir de vídeo encontrado numa fita miniDV, que pensei que fosse material captado por Maria Tereza, mas que, informado por Geuder Martins, eu soube que se tratava de um vídeo produzido por Maíra Lana e Vítor Gomes em Santa Rita. Eis como as coisas se resignificam!
domingo, 17 de janeiro de 2010
ILAÇÕES
Vídeo arte de Julliano Mendes produzido com/para Jorge Pessoa, para o espetáculo performático ID.
segunda-feira, 12 de outubro de 2009
ESBEC - ESTRATÉGIAS SUÍNAS DE BOM ENRIQUECIMENTO COLETIVO
É preciso ganhar dinheiro, meu povo. Criar técnicas coletivas que possam ser operacionalizadas indivudualmente. Desenvolver um método tão óbvio que ninguém teve a coragem de pensar nele antes. Aplicá-lo no meio da noite, quando os donos dos supermerc...ados tiverem acabado de contar seus lucros. Seu símbolo será o de um porco e tanto será possível sua leitura sobre a mesa do natal com a macãzinha na boca quanto o cofrinho dos filhos mais novos. O porco será nossa Marylin Monroe. Basta uma idéia, ou uma fagulha: a ordem está lançada: seremos criativos de fato? Vamos ganhar dinheiro?
segunda-feira, 5 de outubro de 2009
domingo, 23 de agosto de 2009
domingo, 2 de agosto de 2009
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - EDUCAÇÃO
Vídeo produzido pelo Grupo Residência para o Conselho Municipal da Infância e Adolescência de Ouro Preto em comemoração aos 18 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Direção: Julliano Mendes e Geuder Martins
Fotografia: Túlio Drumond
Atores: Maiara Líbano e Orlandinho
quarta-feira, 8 de abril de 2009
quinta-feira, 6 de novembro de 2008
DE PORNOGRAFIA E LIRISMO (TRATADO SOBRE A LIBERDADE)
"lamber-te entre as pernas quentes
sorver-te pensamento e dor
buscar-te como enfrentamento
dormir no que em mim é mar"
sorver-te pensamento e dor
buscar-te como enfrentamento
dormir no que em mim é mar"
segunda-feira, 21 de julho de 2008
segunda-feira, 23 de junho de 2008
SOBRE O CAOS E A FORMA
Vídeo arte de Julliano Mendes, com Renato, Sancho e Zacca.
Trilha incidental: Zacca
Trilha incidental: Zacca
quinta-feira, 19 de junho de 2008
O QUADRATURIN
"Imagine um pequeno apartamento apertado, sem graça. Um quadrado empoeirado com piolho, pulga, traça. Dentro dele, projete um homem retorcido, como se pela corrente falta de espaço externo, desejasse ocupar o que lhe restasse de espaço interno, revirando-se, retorcendo-se, apresentando-se ao avesso. Agora responda sem pensar: neste espaço você poderia morar? Se sua resposta foi positiva, eu duvido. Sei foi negativa, eu afirmo: há gente que pode. Duvida?"
O QUADRATURIN
Livre adaptação de conto homônimo de Sigismund Krzyzanovski
Dramaturgia e direção: Julliano Mendes
Elenco: Bartira Fortes, Flaviano Souza e Silva e Geuder Martins
Direção Musical: Sabrina Silva
Execução musical ao vivo: Sabrina Silva (piano) e Zacca (guitarra)
Cenografia: Grupo Residência
Figurino: Geuder Martins e Gisele Queiroga
Iluminação: Julliano Mendes
Vídeo: Julliano Mendes, animação sobre desenhos de Krinski
Produção: Grupo Resid(ê)ncia
O QUADRATURIN
Livre adaptação de conto homônimo de Sigismund Krzyzanovski
Dramaturgia e direção: Julliano Mendes
Elenco: Bartira Fortes, Flaviano Souza e Silva e Geuder Martins
Direção Musical: Sabrina Silva
Execução musical ao vivo: Sabrina Silva (piano) e Zacca (guitarra)
Cenografia: Grupo Residência
Figurino: Geuder Martins e Gisele Queiroga
Iluminação: Julliano Mendes
Vídeo: Julliano Mendes, animação sobre desenhos de Krinski
Produção: Grupo Resid(ê)ncia
domingo, 8 de junho de 2008
RATO DO SUBSOLO OU O ÓDIO IMPOTENTE
Nova produção do Grupo Residência. Estréia no início do segundo semestre de 2008!
Rato do Subsolo ou o ódio impotente
Inspirado em Memórias do Subsolo, de Fiodor Dostoievski
Dramaturgia e direção: Julliano Mendes
Elenco: Aguinaldo Elias; Daniel Sapiência; Fred Lima e Geuder Martins
Cenografia: Fernando Ancil
Figurino: Jô Alves
Direção musical: Makely Ka
Produção: Grupo Residência
Ação: aparatOZerosete
edição e criação do vídeo: Julliano Mendes
trilha sonora: makely ka (cd autófago)
Rato do Subsolo ou o ódio impotente
Inspirado em Memórias do Subsolo, de Fiodor Dostoievski
Dramaturgia e direção: Julliano Mendes
Elenco: Aguinaldo Elias; Daniel Sapiência; Fred Lima e Geuder Martins
Cenografia: Fernando Ancil
Figurino: Jô Alves
Direção musical: Makely Ka
Produção: Grupo Residência
Ação: aparatOZerosete
edição e criação do vídeo: Julliano Mendes
trilha sonora: makely ka (cd autófago)
quinta-feira, 17 de abril de 2008
Como se conectar ao aparatozerosete
1. Agir, através do caos, com o caos, por meio de arte, contra marasmos, inércias, hipocrisias, mesquinharias, etc.
2. Usar alguma forma de registro desta ação, com imagens que possam ser convertidas em dados, para serem postadas via internet.
3. Enviar estas imagens para o e-mail aparatozerosete@gmail.com.
4. Receber senha para publicar matérias no blogue.
5. Publicar matérias no blogue.
2. Usar alguma forma de registro desta ação, com imagens que possam ser convertidas em dados, para serem postadas via internet.
3. Enviar estas imagens para o e-mail aparatozerosete@gmail.com.
4. Receber senha para publicar matérias no blogue.
5. Publicar matérias no blogue.
terça-feira, 12 de junho de 2007
Em Ouro Preto tudo conduz ao mofo!
Um pedaço de pano umidecido em álcool nele!
Em Ouro Preto tudo conduz ao morto:
Meus amigos, meus inimigos: ressuscitemos Ouro Preto!
Ouro Preto é uma cidade pobre do interior da América do Sul contemplada com o título de Patrimônio Cultural da humanidade, concedido pela UNESCO. A opulência de seu conjunto arquitetônico barroco, de homogeneidade sem par, agregado a seu passado histórico, de fatos marcantes para a construção da memória nacional, conferiu-lhe inegável destaque no contingente cultural brasileiro, tão diverso, tão extenso.
Sediar-se em Ouro Preto significa para o aparatozerosete a oportunidade de alimentar-se deste potencial advindo do passado e convertê-lo em propulsão para projetos que apontem para o futuro. Acreditando que este contraste - o choque entre o velho e o novo - valoriza ambos, o movimento aposta em recuperar o antigo prestígio de sua cidade natal.
Agora, vendo emergir na cidade um novíssimo movimento de produção cultural que aponta para a pesquisa e desenvolvimento de novas linguagens, tornou-se necessária a reunião de artistas num fórum político que aponte para a viabilização - social, cultural, criativa e econômica - destas estéticas. O movimento aparatOZerosete entende Ouro Preto - o símbolo - como parcela indissociável deste processo, porque ao mesmo tempo que se alimenta da cidade e de seu legado cultural, o movimento também alimenta a cidade, fazendo-a respirar ares, renovando-a, em seu passado, inclusive...
Sediar-se em Ouro Preto significa para o aparatozerosete a oportunidade de alimentar-se deste potencial advindo do passado e convertê-lo em propulsão para projetos que apontem para o futuro. Acreditando que este contraste - o choque entre o velho e o novo - valoriza ambos, o movimento aposta em recuperar o antigo prestígio de sua cidade natal.
Agora, vendo emergir na cidade um novíssimo movimento de produção cultural que aponta para a pesquisa e desenvolvimento de novas linguagens, tornou-se necessária a reunião de artistas num fórum político que aponte para a viabilização - social, cultural, criativa e econômica - destas estéticas. O movimento aparatOZerosete entende Ouro Preto - o símbolo - como parcela indissociável deste processo, porque ao mesmo tempo que se alimenta da cidade e de seu legado cultural, o movimento também alimenta a cidade, fazendo-a respirar ares, renovando-a, em seu passado, inclusive...
Botar o reto na reta, mas na reta barroca, quase curva rococó!
quarta-feira, 6 de junho de 2007
PRESSUPOSTOS
arte e cultura são duas coisas completamente diferentes;
não é possível negociar com o mercadão; não é possível negociar com a grande mídia; não é possível negociar com o grande público;
o mercadão é um campo minado onde diversas idéias fundamentais à evolução do homem e, portanto, à sobrevivência da espécie, são exterminadas;
a criação é uma atividade inerente ao homem; o mercadão ou a sociedade do capital difunde a repetição, o molde, o funcional, o útil, o óbvio, a mesmice, condições de sua sobrevivência;
em toda história da humanidade as verdadeiras transformações só foram possíveis pelo uso da força;
a guerra é uma atividade inerente ao homem;
a arte é um privilégio – não deveria ser;
a sociedade do trabalho é nociva ao homem;
o caos é inerente ao homem;
a razão não comporta toda nossa complexidade;
a fúria é inerente ao homem;
no mercadão a arte é escrava da cultura, da educação, da sociedade, do entretenimento, da burguesia;
a preguiça é inerente ao homem;
‘homem’ é um conceito limitado.
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